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Termo de consentimento informado

Attié & Lucidos Advogados, sempre pensando na segurança de seus clientes, profissionais da saúde (médicos, enfermeiros, dentistas, biomédicos, etc), após a liberação do uso da telemedicina enquanto durar a pandemia, colocamos AQUI à disposição o TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO, elaborado pela ANADEM,  que deve NECESSARIAMENTE ser utilizado pelos profissionais da saúde com seus pacientes ANTES da realização da teleconsulta. Dúvidas continuamos à disposição através do nosso plantão +55 11 97455-2478.

 

TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO

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Na semana do advogado, conselheiros jurídicos da Anadem são homenageados na Câmara dos Deputados

Cassiano Silva e Fabiana Attié receberam a Comenda do Mérito Jurídico da Ordem Dr. Rui Barbosa em sessão solene, que aconteceu nesta sexta-feira (10)

 
Andrew Simek
 
Em comemoração à semana do advogado e aos 111 anos da Conferência de Paz de Haia, a ALACH (Academia Latino-Americana de Ciências Humanas) realizou, nesta sexta-feira (1), uma sessão solene no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados. Foram homenageados 25 advogados e autoridades do universo jurídico que mais se destacaram no exercício da atividade e na defesa do Estado democrático de direito e da plena cidadania durante o último ano.

Na foto, a conselheira jurídica Fabianna Attié, recebendo a Comenda do Mérito Jurídico da Ordem Dr. Rui Barbosa

Destes, dois são conselheiros jurídicos e científicos da Anadem (Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética): Cassiano Silva e Fabiana Attié. Os advogados receberam a Comenda do Mérito Jurídico da Ordem Dr. Rui Barbosa.

LÁUREA

A láurea foi entregue por autoridades que compuseram a mesa, como o presidente da Anadem, Raul Canal, o deputado federal João Campos, o desembargador Roberval Casemiro, o secretário-geral da ALACH, Paulo Roberto Costa, o ministro José Coelho Ferreira, o desembargador Walter Xavier e a comendadora Vanessa Letícia.

As autoridades homenageadas foram indicadas por acadêmicos e passaram por aprovação do conselho, mediante avaliação de histórico curricular. “Rui Barbosa é considerado um dos maiores juristas brasileiros, um dos maiores diplomatas e um dos maiores políticos que ajudaram a escrever a história de nossa gigante nação. Receber esta comenda é um grande mérito, e mostra um pouco da equipe que temos na Anadem”, comentou Canal.

Clique aqui para ler a reportagem na íntegra.

Helder Lucidos

Conselheiro jurídico e científico da Anadem, sócio do escritório Attié & Lucidos Advogados Associados, especialista em Direito Médico e Hospitalar pela EPD, habilitado em Direito à Saúde Baseada em Evidências pelo IEP e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/Campinas.

 

Cultura Justa: como diferenciar condutas culposas de contextos que exigem melhorias

 

Em julho de 1972, uma aeronave caiu logo após a descolagem do aeroporto de Heathrow (London, United Kingdom). Apesar de felizmente não ter sido fatal para ninguém no solo, os 118 ocupantes não resistiram e a aeronave ficou totalmente destruída. Uma investigação detalhada determinou que o acidente ocorreu depois da aeronave ter apresentado uma pane impossível de recuperação, decorrente de uma resposta inapropriada da tripulação a uma incorreta configuração das asas.
Durante essa mesma investigação, uma das coisas que se tornou aparente foi que incidentes semelhantes ao indicado já ocorridos não tinham sido revelados e, mesmo com aqueles que tinham sido, não foram tomadas medidas apropriadas com esse conhecimento.
A investigação do acidente levou a várias recomendações, sendo a mais relevante delas no sentido de que todas as aeronaves britânicas com peso máximo de operação acima dos 27.000 kg tinham que ser obrigatoriamente equipadas com gravadores de voz no cockpit.
No entanto, a recém-formada Autoridade da Aviação Civil (CAA – Civil Aviation Authority), no Reino Unido, verificou que, como regulador responsável, não tinha o conhecimento automático das ocorrências relacionadas com a segurança, exceto se estas fossem tidas como suficientemente graves para necessitar de uma investigação independente ou se fossem reportadas como um risco de colisão no ar.
Foi então decidido que deveriam existir requisitos para todos os eventos relacionados com a segurança que permitissem o conhecimento da Autoridade acerca dos mesmos, por meio das entidades envolvidas. Surgiu então o esquema do Reporte Obrigatório de Ocorrência (MOR – Mandatory Occurrence Report), em 1976.
Às entidades foram dadas garantias de que o objetivo primário do esquema seria o aumento e desenvolvimento da segurança de voo e que, excetuando os casos de negligência grave, a CAA nunca abriria processos relacionados a violações da lei não premeditadas ou inadvertidas, que fossem reportadas através do MOR.

CULTURA JUSTA

A definição de Cultura Justa do EUROCONTROL91, “a cultura em que os operadores da linha da frente não são punidos por ações, omissões ou decisões tomadas por eles sendo proporcionais à sua experiência e treino, mas onde a negligência grave, violações intencionais e atos destrutivos não são tolerados”, é amplamente aceita no espectro da aviação e cada vez mais aplicada no âmbito da saúde, quando associada às questões de qualidade e segurança do paciente.
Segundo o Instituto Brasileiro para Excelência em Saúde, organizações de alta confiabilidade são aquelas que realizam trabalhos bastante complexos e perigosos, mas
minimizam consistentemente os eventos adversos, mantendo um compromisso com a segurança em todos os níveis, estabelecendo, dessa forma, uma “cultura de segurança”113.
cultura de segurança percebida como deficiente tem sido associada às taxas de erro aumentadas, destacando-se que para se obter uma maior eficiência é preciso que as
organizações ligadas à saúde desenvolvam uma cultura de segurança que engloba as seguintes características primordiais:


• reconhecimento da natureza de alto risco das atividades realizadas pela organização, com a determinação de se alcançar operações consistentemente seguras;

• um ambiente sem culpa onde os indivíduos são capazes de relatar erros ou quase acidentes sem medo de repreensão ou punição;

• encorajamento da colaboração para procurar soluções para problemas de segurança dos pacientes;

• comprometimento organizacional de recursos para tratar de questões de segurança.

 

Melhorar a cultura da segurança na saúde é essencial para prevenir ou reduzir os erros e melhorar a qualidade geral dos cuidados, tendo em vista que uma cultura subdesenvolvida de segurança em saúde aponta para falhas relacionadas à falta de trabalho em equipe, comunicação frágil, assim como à cultura de baixas expectativas e hierarquia/autoridade.
O que se observa é que a cultura da culpa do indivíduo e não do sistema, nos cuidados de saúde, prejudica o avanço de uma cultura de segurança, pois uma cultura não punitiva ajuda a ampliar a notificação de eventos adversos e, consequentemente, é um dos principais aliados para a melhoria contínua dos processos.
Para Robert Wachter e Peter Provonost135, em artigo no News England Journal of Medicine, a ideia não é ter “um ambiente tão punitivo que um único lapso resulte
em punição, a não ser que tal erro seja ao mesmo tempo proposital e escandaloso”.
A questão não é o que acontece com os profissionais de saúde ocupados e distraídos que esquecem de lavar as mãos ou tenham algum lapso uma vez. A questão é o que
acontece quando o profissional faz isso habitualmente e por vontade própria, mesmo após treinamentos, conselhos e melhorias do sistema.
Foi com base nesse conceito de cultura justa que o deputado federal Lucio Antonio Mosquini (PMDB/RO) apresentou o Projeto de Lei n° 2865/1554 que altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)27, para determinar que não sejam considerados atos ilícitos os erros cometidos por profissionais de saúde em intervenção necessária, quando decorrente de emergência a que não deu causa, e o Decreto-Lei nº 2.84840, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para estabelecer que não se considere imperícia, imprudência e negligência os erros cometidos por profissionais de saúde em intervenção necessária, quando decorrente de emergência a que não deu causa.54
Em sua justificação, o parlamentar assevera que o Código Civil27 determina que, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Ademais, acrescenta que não constitui em atos ilícitos os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido, ou ainda a deterioração ou destruição de coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Destacando que mediante análise dos dispositivos mencionados, entende-se que o erro profissional em situação de risco, que não for cometido pelas modalidades de culpa (negligência, imperícia e imprudência), não configura ato ilícito e, assim, não gera responsabilidade civil.
Isso ocorre porque são pressupostos da responsabilidade civil subjetiva a conduta culposa do agente, o nexo causal e o dano. Se algum deles não estiver presente, a responsabilidade não restará configurada.
O texto conclui que a Medicina é uma atividade arriscada. Os profissionais de saúde, ao exercitarem seu ofício, estão sujeitos a executar atos dos quais podem advir consequências graves, como a deformidade, a restrição da capacidade física ou mental e até a morte. Em atendimentos emergenciais, os riscos aumentam ainda mais, pois as deliberações têm de ser feitas em caráter imediato, com pouco tempo de reflexão.
Assim, o ordenamento jurídico pátrio, ao conferir culpa penal e civil ao profissional de saúde que cometa erros em atendimentos emergenciais, coloca-o num dilema ético. Por um lado, o Código de Ética Médica72 determina que a medicina terá de ser exercida sem nenhum tipo de discriminação e que o médico não poderá negar atendimento em caso de urgência ou emergência. Por outro lado, juízes e tribunais, decidem pela culpa, no âmbito cível e penal, de médicos que, em situações emergenciais, não se negaram a tentar salvar a vida de pacientes, mas, sem intenção, cometeram erros totalmente escusáveis em face da situação enfrentada. Principalmente se levarmos em consideração a precariedade, de uma forma geral, da estrutura do sistema de saúde no Brasil, a qual precisa ser melhorada consideravelmente.
Todavia, foi com base na cultura da culpa do indivíduo, e não do sistema, que a Comissão de Seguridade Social e Família, sob a relatoria do deputado federal Luiz Henrique Mandetta, que é médico e lançou a Frente Parlamentar da Medicina para colocar a medicina na pauta de debates do Congresso Nacional, rejeitou o referido Projeto sob o argumento de que a eventual aprovação permitiria que os maus profissionais, “que agem sem as devidas cautelas, desidiosamente e em total descompasso com as normas éticas”, escapassem de punições legais53.
O parlamentar ressaltou, ainda, que “o profissional de saúde que, numa situação de anormalidade, causa dano ao paciente, se sujeita a sanções na esfera penal e cível”. O Projeto ainda precisa ser analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e pelo Plenário da Câmara.

Fabiana Attié

Conselheira jurídica e científica da Anadem, especialista em Direito Médico e Hospitalar pela EPD e sócia do escritório Attié & Lucidos Advogados Associados.

 

Choosing Wisely - Futilidade Médica

Estudo publicado por pesquisadores da Harvard Medical School e do Beth Israel Deaconess Medical Center comprovou que 30% de todos os exames de laboratório são desnecessários e outros 30% podem ser subutilizados.
A análise foi feita em escala global a partir de 1,6 milhão de resultados de 46 testes laboratoriais mais solicitados por médicos e instituições de saúde156.
Com o objetivo de reduzir esse desperdício no sistema de saúde e promover a segurança do paciente, a American Board of Internal Medicine Foundation (ABIM Foundation) lançou, em 2012, a campanha Choosing Wisely, que em português significa “escolhendo sabiamente”. A ideia é avaliar o que é necessário ou não para proporcionar um cuidado mais seguro e eficaz.
De acordo com a ABIM Foundation, mais de 70 sociedades médicas já publicaram 400 recomendações de exames e tratamentos que devem ser rediscutidos quanto à sua eficácia clínica. Diversos países já participam da campanha, como Alemanha, Canadá, Inglaterra e Japão. No Brasil, desde 2015, o Choosing Wisely já tem a adesão da Sociedad Brasileira de Cardiologia (SBC) e da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Por princípio, caberá às sociedades de especialidades, inicialmente médicas, com previsão de representantes de outras profissões da saúde, ingressarem futuramente no projeto e elaborarem, por adesão voluntária e com total independência, suas listas de recomendações, a serem divulgadas nacionalmente84. Em artigo publicado no dia 02 de agosto de 2017, no jornal The Commonwealth Fund, Wendy Levinson e Karen Born comentam sobre o crescimento exponencial da iniciativa Choosing Wisely no mundo, desde seu lançamento em 2012, pela ABIM Foundation, nos EUA126.
Neste artigo, divulgado hoje pela Choosing Wisely Brasil, há a divulgação da lista de 10 recomendações da Choosing Wisely International, uma campanha internacional de combate à superutilização de recursos médicos:

1. Não proceda à solicitação de exames de imagem para a dor lombar nas primeiras seis semanas, a menos que “bandeiras vermelhas” (red flags) estejam presentes.

2. Não prescreva rotineiramente antibióticos para sinusite aguda leve a moderada, a menos que os sintomas durem sete dias ou mais, ou os sintomas piorem após uma melhora clínica inicial.

3. Não use benzodiazepínicos ou outros sedativoshipnóticos em idosos como primeira escolha para insônia, agitação ou delírio.

4. Não mantenha terapia com Inibidores de Bomba de Prótons (IBPs) a longo prazo para sintomas gastrointestinais, sem uma tentativa de suspender ou reduzir IBPs pelo menos uma vez por ano, na maioria dos pacientes.

5. Não realize imagens cardíacas de estresse ou propedêutica não invasiva avançada na avaliação inicial de pacientes sem sintomas cardíacos, a não ser que marcadores de alto risco estejam presentes.

6. Não use antipsicóticos como primeira opção para tratar sintomas comportamentais e psicológicos da demência.

7. Não realize exames pré-operatórios de rotina antes de procedimentos cirúrgicos de baixo risco.

8. Não use antimicrobianos para tratamento de bactéria assintomática em adultos mais velhos, a menos que existam sintomas específicos do trato urinário.

9. Não utilize sondas vesicais de demora para incontinência, conveniência ou monitoramento em pacientes com doença não crítica.

10. Não realize testes de imagem cardíaca de estresse como parte do seguimento de rotina em pacientes
assintomáticos.

Dessa forma, é preciso ter cautela sobre a crescente tendência de pré-diagnósticos médicos, pois muitas vezes isso leva aos problemas de overdiagnosis e overtreatments.
Estes podem não apenas ser desnecessários, como também iatrogênicos e muito custosos para o pouco benefício que podem trazer141 .
Uma pesquisa promovida pelo American Board of Internal Medicine com mais
de 600 médicos generalistas e especialistas trouxe revelações que demandam
reflexão:

• 48% dos médicos solicitam um exame desnecessário se o paciente insistir;

• 73% concordam que se conversarem com seus pacientes, estes aceitarão evitar um procedimento desnecessário;

• 69% acreditam que um exame ou procedimento desnecessário é solicitado por médicos pelo menos 1x/ semana.

De fato, de tantos levantamentos acerca de overdiagnosis, alguns poucos dados bastam para chocar:

• embora as hérnias de disco assintomáticas ocorram em mais de 50% dos casos, muitos acabam sendo submetidos a procedimentos desnecessários;

• houve duplicação do diagnóstico de tromboembolismo pulmonar entre 1998 e 2006, mas sem mudança na mortalidade, o que questiona a validade de tratamento para absolutamente todos estes casos159;

• nos EUA, 11% das crianças estão sendo diagnosticadas com TDAH, enquanto a incidência verdadeira é provavelmente em torno de 2-3%. O alerta é de Allen Frances, que durante anos dirigiu o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM) de transtornos de psiquiatria, revisado periodicamente; ele acusa que, dentre estas crianças, 10 mil estão com menos de 3 anos de idade, o que não deixa de ser impressionante.

Segundo o Dr. Henrique Cal140, não se trata de desprezar tantos ganhos que a prevenção tem trazido em diversas áreas, como por exemplo, a oncologia; mas é verdade que há uma perigosa tendência a “medicalizar” aspectos da vida que não são patológicos e nem vão se tornar doença um dia. Sem dúvida, há muitas questões não científicas envolvidas neste fenômeno, como alguns aspectos culturais – algumas pessoas parecem ter a tendência a querer ouvir que tem um problema que lhes justifique um sofrimento, bem como um remédio que o resolva.
Este assunto tem sido cada vez mais do interesse de entidades científicas e governamentais, gerando campanhas como a Choosing Wisely, que se refere à prudência na escolha de exames e procedimentos.
O prestígio desta iniciativa, que apenas em 2016 lhe trouxe 1.330 citações em artigos científicos e 1,9 milhão de acessos ao seu site, deve-se ao fato de ela incentivar que
médicos e pacientes conversem mais e melhor para tomar as condutas de modo consciente.
Cinco perguntas básicas podem ajudar a nortear esta conversa:

1. Eu realmente preciso deste procedimento?
2. Quais são os riscos dele?
3. Existem alternativas mais simples ou seguras?
4. O que pode ocorrer se eu não fizer nada?
5. Qual é o custo financeiro envolvido?

O próprio Institute of Medicine já traçou o perfil do que é um bom cuidado de saúde, que é quase um código de ética médica universal:

1) Seguro: relaciona-se ao clássico princípio da não maleficência.

2) Efetivo: minimiza o sofrimento, prevenindo doenças e complicações.

3) Eficiente: oferece benefício com o mínimo de desperdício.

4) Centrado no paciente: cuidado coordenado e contínuo com pacientes informados e educados, estando também as suas famílias envolvidas nas decisões; cuidado que alivia a dor e o estresse emocional.

5) “Timely”: no momento oportuno, afastando o prejuízo das demoras inapropriadas.

6) Equitativo: cuidados adequados independentes de condições demográficas ou culturais.

Estas considerações encaixam-se num cenário de gastos e desperdícios crescentes no
ecossistema de saúde, o que leva até mesmo as fontes financiadoras a se debruçarem sobre novos modelos de atenção nos últimos anos.
Estes têm enfatizado a importância de elementos não tão usuais no ambiente médico até então, como o conceito de experiência do usuário e o próprio conceito de valor. Este último tem sido definido por muitos através de uma equação:
Valor = resultado efetivo versus experiência do paciente/custo, onde, dentro de custo, inclui-se também o desperdício e as fraudes.
Por isso, aos financiadores do sistema de saúde, cabe o papel de considerar alternativas de financiamento a médicos e hospitais, levando em conta os resultados clínicos efetivos e a experiência do paciente.


 

Fabiana Attié

Conselheira jurídica e científica da Anadem, especialista em Direito Médico e Hospitalar pela EPD e sócia do escritório Attié & Lucidos Advogados Associados.

 

A Ilegitimidade Passiva do Profissional Liberal Diante da Teoria da Dupla Garantia Constitucional

 

Antes de tecer maiores considerações  sobre a Teoria da Dupla Garantia Constitucional é preciso destacar o que a Constituição da República Federativa do Brasil de 198834 estabelece sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado.

O art. 37, § 6º, da Constituição34, prevê a responsabilidade objetiva do Estado, pois as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que os agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, sendo assegurado o direito de regresso contra o responsável, em casos de dolo ou culpa.

RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Os três elementos para a configuração da responsabilidade do Estado são a conduta oficial, o dano e o nexo causal, sendo certo que tal responsabilidade independe de comprovação de conduta culposa, pois se trata de responsabilidade objetiva assumida pelo Estado.

Com relação à mencionada responsabilidade objetiva, à doutrina e à jurisprudência, entende-se sem maiores questionamentos que o fundamento se encontra nascedouro na Teoria do Risco Administrativo, com destaque para a análise da Teoria da Dupla Garantia do Direito de Regresso conferido ao Estado contra o agente, em casos de dolo ou culpa.

Nesse sentido, o mestre Hely Lopes Meirelles entende pela impossibilidade da presença do agente público no polo passivo da demanda, já que o art. 37, §6º, da Constituição34  prevê que somente o Estado pode ocupar essa posição processual, ou seja, o agente estatal causador do dano só pode ser responsabilizado na ação de regresso proposta pelo ente público, nos casos em que agir com dolo ou culpa.

 

INTERPRETAÇÃO DO STF

Com base nesse dispositivo constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF),ao interpretá-lo, firmou posicionamento  no sentido de que o particular que tenha sofrido qualquer dano somente pode demandar o ente público ou a pessoa jurídica de  direito privado a que o agente estiver vinculado, a fim de obter a devida indenização pelo dano causado, ou seja, de acordo com o referido entendimento, o agente público é pessoa ilegítima para figurar o polo passivo de eventual demanda.

O tratamento conferido à questão pelo STF encontra amparo no princípio da impessoalidade, mais especificamente em um dos desdobramentos, qual seja  a teoria do órgão. Assim, quando algum agente público atua frente ao administrado, não o faz como particular representando o Estado, mas como o próprio Estado, razão pela qual a conduta não pode ser imputada diretamente a ele, mas somente à pessoa jurídica que engloba o órgão pertencente.

Essa é a razão pela qual o referido  entendimento recebeu a denominação de Teoria da Dupla Garantia, sendo certo que a primeira visa proteger o particular, que terá a responsabilidade objetiva assegurada,  dispensando-se a comprovação do dolo ou culpa do agente causador do dano. A segunda tem por objetivo resguardar o agente público, tendo em vista que ele somente responderá perante o ente estatal no caso de uma eventual ação de regresso, conforme  decidiu o STF, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 327904, de relatoria do ministro Carlos Ayres Britto.

Sendo certo que o julga- mento supramencionado tornou-se referência no  trato da matéria pelo STF e foi mencionado como razões de decidir em inúmeros casos julgados sequentemente: AI 552366  AgR, de relatoria da ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 6/10/2009, publicado no DJe-204 em 29/10/2009; RE 549126, de relatoria do ministro Ayres Britto, julgado em 9/8/2011, publicado no DJe-173, em 9/9/2011; RE 551156 AgR, de relatoria da ministra Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 10/3/2009,  publicado no DJe-064, em 3/4/2009; AI 406.615, de relatoria do ministro Joaquim Barbosa, decisão monocrática de 20/11/2009, publicada no DJe-233 e divulgada em 11/12/2009; RE 470996 AgR, de relatoria do ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgado em 18/8/2009, DJe-171 publicado em 11/9/2009; RE 235025, derelatoria do ministro Gilmar Mendes, julgado em 26/10/2010, publicado no DJe-222,     em 19/11/2010; RE 601104, de relatoria da ministra Carmen Lúcia, julgado em 26/8/2009, publicado no DJe-173, em 15/9/2009; e RE 344133, de relatoria do ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, julgado em 9/9/2008, publicado no DJe-216, em 14/11/2008.

 

DUPLA GARANTIA

 

Dessa forma, do acima citado, depreende-se que essa Dupla Garantia significa que o referido dispositivo, ao mesmo tempo em que favorece o particular – no sentido de que é mais solvente o Es- tado que o agente –, beneficia também aquele que supostamente causou o dano, e que somente poderá ser demandado pelo fato diretamente pela pessoa jurídica, de direito público ou privado, a qual está vinculado.

Com base nesse posicionamento, a eventual demanda   interposta contra o agente público deve ser extinta sem julgamento do mérito pela total ausência de legitimidade para figurar no polo passivo, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil (CPC)23, juntamente ao art. 37, § 6º, da Constituição34.



DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA

 

Todavia, apesar da jurisprudência do STF ser uníssona, há divergência doutrinária sobre a teoria, a qual se funda basicamente na faculdade que deve ser conferida ao particular de demandar o Estado, o agente público ou ambos.

O não menos prestigiado doutrinador Celso Antônio Bandeira de Melo comunga do entendimento no sentido de que cabe à vítima decidir se demanda contra o Estado, o agente, ou ambos, não havendo no dispositivo constitucional qualquer impedimento para que isso aconteça, principalmente se levarmos em consideração que, iniciado o procedimento de execução contra ente estatal, observando-se as regras constantes no CPC23, institutos como a penhora e a expropriação,  utilizados na execução contra particulares, não podem ser utili- zados em face da Fazenda Pública, já que os bens públicos possuem a prerrogativa de serem impenhoráveis. Sendo certo, ainda, que o art. 100 da Constituição34 regula o processo especial de execução da administra- ção, instituindo o regime dos precatórios, que devem ser observados pela União, Estados-Membros, Municípios, Distrito Federal, Autarquias e Fundações Públicas, ou seja, todos aqueles englobados no conceito de Fazenda Pública.

Contrariando o entendimento pacífico do STF, em um julgado do ano de 2013, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu a tese divergente da doutrina ao julgar o Recurso Especial  nº 1.325.862/PR, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão.

Em julgamentos anteriores também foi esse o posicionamento do STJ, como se pode inferir nos seguintes Recursos Especiais: REsp 731.746/SE, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/8/2008, sendo a data do  julgamento, 4/5/2009; e REsp 759.272/GO, de relatoria do ministro Humberto Gomes de Barros, Terceira Turma, julgado em 18/8/2005, sendo a data do julgamento, 19/6/2006.

Diante da relevante controvérsia entre a doutrina, bem como entre os principais tribunais do País, a tese da Dupla Garantia deve ser sempre suscitada em defesa do agente público em questões que envolvam a atuação profissional, no caso específico dos profissionais da saúde, principalmente se levarmos em consideração que o STF é órgão máximo do Poder Judiciário brasileiro.

 

 


 

Helder Lucidos

Conselheiro jurídico e científico da Anadem, sócio do escritório Attié & Lucidos Advogados Associados, especialista em Direito Médico e Hospitalar pela EPD, habilitado em Direito à Saúde Baseada em Evidências pelo IEP e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/Campinas.

 

O Suposto ‘‘Erro Médico’’ e o Segredo de Justiça

 

Nos termos do art. 5º, LX, da Constituição da     República Federativa do Brasil de 198834, a publicidade dos atos praticados no decorrer do processo constitui elemento indissociável do processo justo no Brasil. A lei só poderá restringi-la quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. De acordo com ordenamen- to jurídico pátrio, a regra é  a publicidade do processo acessível a todos que podem consultá-lo, assistir às audiências e até mesmo pedir certidões. O Direito é chamado “publicidade imediata” nos termos do art. 93, IX, da Constituição34. Todavia, como foi dito anteriormente, o processo pode, excepcionalmente, correr em regime de publicidade especial ou, como mais comumente se aborda, sob segredo de justiça, razão pela qual se restringe o acesso às partes e aos procuradores, em geral, nos casos que dizem respeito aos menores de idade, ao estado das pessoas ou, ainda, às questões de sexualidade ou intimidade das partes envolvidas. Obedecendo aos preceitos constitucionais, bem como os costumes reconhecidos pelos tribunais do País, o art. 189 do novo Código de Processo Civil (CPC)98 passou a prever outras possibilidades não abrangidas pelo código anterior, prescrevendo que:

 

Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

 

  1. - Em que o exija o interesse público ou social;

 

  1. - Que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes

 

  1. - Que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;

 

  1. - Que versem sobre arbitra- gem, inclusive sobre cumpri- mento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.98

Há que se destacar, contudo, que o referido rol é apenas exemplificativo, podendo o juiz, de acordo com o caso concreto, determinar o trâmite do processo em segredo de justiça em outros casos não previstos no referido dispositivo129.

 

SEGREDO DE JUSTIÇA

 

Trazendo a situação  para o âmbito das ações em que se discute a relação entre médico e paciente, existem dois ângulos sob os quais a questão do segredo de justiça precisa ser  analisada. O primeiro diz respeito à proteção, à intimidade do paciente e ao sigilo dos dados de saúde, tendo em vista que o sigilo médico profissional é dever inerente ao desempenho da profissão, caracterizando a violação, infração ética, penal e cível, sendo certo que, na área do Direito Civil é cabível juridicamente a responsabilização, caso haja dano material ou moral ao paciente que tiver os dados clínicos tornados públicos130. O segundo aspecto diz respeito aos efeitos negativos causados pela publicidade negativa à atividade do profissional da saúde em geral, em especial ao médico.

Atento a essas questões, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução nº 1.605/2000, regulamentando a questão do sigilo médico, que prevê, no art. 7º, a  possibilidade do profissional utilizar o prontuário como meio de defesa judicial75. Em razão disso, torna-se imprescindível a juntada do prontuário do paciente como meio de prova de defesa, haja vista a necessidade de realizar uma perícia técnica na maioria dos casos, motivo pelo qual a tramitação dos processos sob segredo de justiça tem  o condão de impedir a publicidade das informações pessoais e sigilosas lançadas no prontuário médico do paciente.

O sigilo processual evita, ainda, a exposição e julgamento popular antecipado a respeito do médico, que figura no polo passivo da demanda, pois é cada vez mais frequente que os pacientes, antes de escolherem o mé- dico, consultem seus dados junto à justiça em busca de processos, julgando a qualidade e o zelo do profissional em função da existência de eventual processo, independentemente de condenação. Principalmente quando o paciente se excede no exercício regular do seu direito, empenhando-se numa verdadeira “cruzada” difamatória contra o médico nos principais meios de comunicação, mais especificamente nas redes sociais. Hipótese que geralmente encontra respaldo no sensacionalismo da mídia e que acaba alcançando proporções nacionais nos casos em que a imprensa oferece grande repercussão aos fatos e “crucifica” o médico nos noticiários, independentemente de haver comprovação de erro profissional. Pensar de forma contrária implica admitir violação à intimidade da parte, de acordo com a Constituição34 (art. 5º, X);  ao sigilo de dados, (art. 5º, XII); bem como ao resguardo de informações necessárias ao exercício profissional (art.5º, XIV), tendo em vista que tais informações têm sido utilizadas para desabonar a conduta dos profissionais no meio de atuação.

 

SIGILO PROCESSUAL

 

O sigilo processual, nos processos que envolvem supostos “erros médicos”, visa garantir o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do profissional, nos termos do art. 5°, X, da Constituição34. Isso porque a intimidade e a vida privada são aspectos pessoais, familiares e profissionais de cada indivíduo, tutelados pela inviolabilidade constitucionalmente garantida, que não devem ser transmitidos em determinadas hipóteses ao público em geral sem a certeza da veracidade da prática do ato tido como ilegal no ordenamento jurídico. Esse caso só será alcançado de- pois da prolação de sentença transitada em julgado.

Não se deve esquecer também o art. 5°, LVII, da Constituição34, que vem em benefício de qualquer sujeito com o intuito de preservar a presunção de inocência, enquanto não houver o trânsito em julgado de sentença, ou seja, não é demais afirmar, ainda, que a tramitação do processo sob segredo de justiça deverá ser observada como forma de garantia da intimidade do médico, resguardando-se, assim, o estado de inocência. Essa hipótese tem sido encampada pelos tribunais de justiça do País, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) ao julgar o agravo de instrumento nº 70057793721, de relatoria da desembargadora Isabel Dias Almeida, assim como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ao julgar o Agravo de Instrumento nº 20150020317013, de relatoria da desembargadora Maria Ivatônia.

O sigilo é, antes de tudo, uma garantia individual conquistada e positivada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que tem como objetivo principal afastar as consequências nocivas do julgamento popular antecipado, prévio e precário a respeito dos médicos que figuram no polo passivo de demandas judiciais, que lhe atribuem conduta culposa no trato com o paciente.

 


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