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O Suposto ‘‘Erro Médico’’ e o Segredo de Justiça

Helder Lucidos

Conselheiro jurídico e científico da Anadem, sócio do escritório Attié & Lucidos Advogados Associados, especialista em Direito Médico e Hospitalar pela EPD, habilitado em Direito à Saúde Baseada em Evidências pelo IEP e especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela PUC/Campinas.

 

O Suposto ‘‘Erro Médico’’ e o Segredo de Justiça

 

Nos termos do art. 5º, LX, da Constituição da     República Federativa do Brasil de 198834, a publicidade dos atos praticados no decorrer do processo constitui elemento indissociável do processo justo no Brasil. A lei só poderá restringi-la quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem. De acordo com ordenamen- to jurídico pátrio, a regra é  a publicidade do processo acessível a todos que podem consultá-lo, assistir às audiências e até mesmo pedir certidões. O Direito é chamado “publicidade imediata” nos termos do art. 93, IX, da Constituição34. Todavia, como foi dito anteriormente, o processo pode, excepcionalmente, correr em regime de publicidade especial ou, como mais comumente se aborda, sob segredo de justiça, razão pela qual se restringe o acesso às partes e aos procuradores, em geral, nos casos que dizem respeito aos menores de idade, ao estado das pessoas ou, ainda, às questões de sexualidade ou intimidade das partes envolvidas. Obedecendo aos preceitos constitucionais, bem como os costumes reconhecidos pelos tribunais do País, o art. 189 do novo Código de Processo Civil (CPC)98 passou a prever outras possibilidades não abrangidas pelo código anterior, prescrevendo que:

 

Art. 189. Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:

 

  1. - Em que o exija o interesse público ou social;

 

  1. - Que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes

 

  1. - Que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade;

 

  1. - Que versem sobre arbitra- gem, inclusive sobre cumpri- mento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.98

Há que se destacar, contudo, que o referido rol é apenas exemplificativo, podendo o juiz, de acordo com o caso concreto, determinar o trâmite do processo em segredo de justiça em outros casos não previstos no referido dispositivo129.

 

SEGREDO DE JUSTIÇA

 

Trazendo a situação  para o âmbito das ações em que se discute a relação entre médico e paciente, existem dois ângulos sob os quais a questão do segredo de justiça precisa ser  analisada. O primeiro diz respeito à proteção, à intimidade do paciente e ao sigilo dos dados de saúde, tendo em vista que o sigilo médico profissional é dever inerente ao desempenho da profissão, caracterizando a violação, infração ética, penal e cível, sendo certo que, na área do Direito Civil é cabível juridicamente a responsabilização, caso haja dano material ou moral ao paciente que tiver os dados clínicos tornados públicos130. O segundo aspecto diz respeito aos efeitos negativos causados pela publicidade negativa à atividade do profissional da saúde em geral, em especial ao médico.

Atento a essas questões, o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução nº 1.605/2000, regulamentando a questão do sigilo médico, que prevê, no art. 7º, a  possibilidade do profissional utilizar o prontuário como meio de defesa judicial75. Em razão disso, torna-se imprescindível a juntada do prontuário do paciente como meio de prova de defesa, haja vista a necessidade de realizar uma perícia técnica na maioria dos casos, motivo pelo qual a tramitação dos processos sob segredo de justiça tem  o condão de impedir a publicidade das informações pessoais e sigilosas lançadas no prontuário médico do paciente.

O sigilo processual evita, ainda, a exposição e julgamento popular antecipado a respeito do médico, que figura no polo passivo da demanda, pois é cada vez mais frequente que os pacientes, antes de escolherem o mé- dico, consultem seus dados junto à justiça em busca de processos, julgando a qualidade e o zelo do profissional em função da existência de eventual processo, independentemente de condenação. Principalmente quando o paciente se excede no exercício regular do seu direito, empenhando-se numa verdadeira “cruzada” difamatória contra o médico nos principais meios de comunicação, mais especificamente nas redes sociais. Hipótese que geralmente encontra respaldo no sensacionalismo da mídia e que acaba alcançando proporções nacionais nos casos em que a imprensa oferece grande repercussão aos fatos e “crucifica” o médico nos noticiários, independentemente de haver comprovação de erro profissional. Pensar de forma contrária implica admitir violação à intimidade da parte, de acordo com a Constituição34 (art. 5º, X);  ao sigilo de dados, (art. 5º, XII); bem como ao resguardo de informações necessárias ao exercício profissional (art.5º, XIV), tendo em vista que tais informações têm sido utilizadas para desabonar a conduta dos profissionais no meio de atuação.

 

SIGILO PROCESSUAL

 

O sigilo processual, nos processos que envolvem supostos “erros médicos”, visa garantir o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do profissional, nos termos do art. 5°, X, da Constituição34. Isso porque a intimidade e a vida privada são aspectos pessoais, familiares e profissionais de cada indivíduo, tutelados pela inviolabilidade constitucionalmente garantida, que não devem ser transmitidos em determinadas hipóteses ao público em geral sem a certeza da veracidade da prática do ato tido como ilegal no ordenamento jurídico. Esse caso só será alcançado de- pois da prolação de sentença transitada em julgado.

Não se deve esquecer também o art. 5°, LVII, da Constituição34, que vem em benefício de qualquer sujeito com o intuito de preservar a presunção de inocência, enquanto não houver o trânsito em julgado de sentença, ou seja, não é demais afirmar, ainda, que a tramitação do processo sob segredo de justiça deverá ser observada como forma de garantia da intimidade do médico, resguardando-se, assim, o estado de inocência. Essa hipótese tem sido encampada pelos tribunais de justiça do País, conforme já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) ao julgar o agravo de instrumento nº 70057793721, de relatoria da desembargadora Isabel Dias Almeida, assim como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ao julgar o Agravo de Instrumento nº 20150020317013, de relatoria da desembargadora Maria Ivatônia.

O sigilo é, antes de tudo, uma garantia individual conquistada e positivada pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que tem como objetivo principal afastar as consequências nocivas do julgamento popular antecipado, prévio e precário a respeito dos médicos que figuram no polo passivo de demandas judiciais, que lhe atribuem conduta culposa no trato com o paciente.

 


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