Choosing Wisely - Futilidade Médica

Fabiana Attié

Conselheira jurídica e científica da Anadem, especialista em Direito Médico e Hospitalar pela EPD e sócia do escritório Attié & Lucidos Advogados Associados.

 

Choosing Wisely - Futilidade Médica

Estudo publicado por pesquisadores da Harvard Medical School e do Beth Israel Deaconess Medical Center comprovou que 30% de todos os exames de laboratório são desnecessários e outros 30% podem ser subutilizados.
A análise foi feita em escala global a partir de 1,6 milhão de resultados de 46 testes laboratoriais mais solicitados por médicos e instituições de saúde156.
Com o objetivo de reduzir esse desperdício no sistema de saúde e promover a segurança do paciente, a American Board of Internal Medicine Foundation (ABIM Foundation) lançou, em 2012, a campanha Choosing Wisely, que em português significa “escolhendo sabiamente”. A ideia é avaliar o que é necessário ou não para proporcionar um cuidado mais seguro e eficaz.
De acordo com a ABIM Foundation, mais de 70 sociedades médicas já publicaram 400 recomendações de exames e tratamentos que devem ser rediscutidos quanto à sua eficácia clínica. Diversos países já participam da campanha, como Alemanha, Canadá, Inglaterra e Japão. No Brasil, desde 2015, o Choosing Wisely já tem a adesão da Sociedad Brasileira de Cardiologia (SBC) e da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).
Por princípio, caberá às sociedades de especialidades, inicialmente médicas, com previsão de representantes de outras profissões da saúde, ingressarem futuramente no projeto e elaborarem, por adesão voluntária e com total independência, suas listas de recomendações, a serem divulgadas nacionalmente84. Em artigo publicado no dia 02 de agosto de 2017, no jornal The Commonwealth Fund, Wendy Levinson e Karen Born comentam sobre o crescimento exponencial da iniciativa Choosing Wisely no mundo, desde seu lançamento em 2012, pela ABIM Foundation, nos EUA126.
Neste artigo, divulgado hoje pela Choosing Wisely Brasil, há a divulgação da lista de 10 recomendações da Choosing Wisely International, uma campanha internacional de combate à superutilização de recursos médicos:

1. Não proceda à solicitação de exames de imagem para a dor lombar nas primeiras seis semanas, a menos que “bandeiras vermelhas” (red flags) estejam presentes.

2. Não prescreva rotineiramente antibióticos para sinusite aguda leve a moderada, a menos que os sintomas durem sete dias ou mais, ou os sintomas piorem após uma melhora clínica inicial.

3. Não use benzodiazepínicos ou outros sedativoshipnóticos em idosos como primeira escolha para insônia, agitação ou delírio.

4. Não mantenha terapia com Inibidores de Bomba de Prótons (IBPs) a longo prazo para sintomas gastrointestinais, sem uma tentativa de suspender ou reduzir IBPs pelo menos uma vez por ano, na maioria dos pacientes.

5. Não realize imagens cardíacas de estresse ou propedêutica não invasiva avançada na avaliação inicial de pacientes sem sintomas cardíacos, a não ser que marcadores de alto risco estejam presentes.

6. Não use antipsicóticos como primeira opção para tratar sintomas comportamentais e psicológicos da demência.

7. Não realize exames pré-operatórios de rotina antes de procedimentos cirúrgicos de baixo risco.

8. Não use antimicrobianos para tratamento de bactéria assintomática em adultos mais velhos, a menos que existam sintomas específicos do trato urinário.

9. Não utilize sondas vesicais de demora para incontinência, conveniência ou monitoramento em pacientes com doença não crítica.

10. Não realize testes de imagem cardíaca de estresse como parte do seguimento de rotina em pacientes
assintomáticos.

Dessa forma, é preciso ter cautela sobre a crescente tendência de pré-diagnósticos médicos, pois muitas vezes isso leva aos problemas de overdiagnosis e overtreatments.
Estes podem não apenas ser desnecessários, como também iatrogênicos e muito custosos para o pouco benefício que podem trazer141 .
Uma pesquisa promovida pelo American Board of Internal Medicine com mais
de 600 médicos generalistas e especialistas trouxe revelações que demandam
reflexão:

• 48% dos médicos solicitam um exame desnecessário se o paciente insistir;

• 73% concordam que se conversarem com seus pacientes, estes aceitarão evitar um procedimento desnecessário;

• 69% acreditam que um exame ou procedimento desnecessário é solicitado por médicos pelo menos 1x/ semana.

De fato, de tantos levantamentos acerca de overdiagnosis, alguns poucos dados bastam para chocar:

• embora as hérnias de disco assintomáticas ocorram em mais de 50% dos casos, muitos acabam sendo submetidos a procedimentos desnecessários;

• houve duplicação do diagnóstico de tromboembolismo pulmonar entre 1998 e 2006, mas sem mudança na mortalidade, o que questiona a validade de tratamento para absolutamente todos estes casos159;

• nos EUA, 11% das crianças estão sendo diagnosticadas com TDAH, enquanto a incidência verdadeira é provavelmente em torno de 2-3%. O alerta é de Allen Frances, que durante anos dirigiu o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM) de transtornos de psiquiatria, revisado periodicamente; ele acusa que, dentre estas crianças, 10 mil estão com menos de 3 anos de idade, o que não deixa de ser impressionante.

Segundo o Dr. Henrique Cal140, não se trata de desprezar tantos ganhos que a prevenção tem trazido em diversas áreas, como por exemplo, a oncologia; mas é verdade que há uma perigosa tendência a “medicalizar” aspectos da vida que não são patológicos e nem vão se tornar doença um dia. Sem dúvida, há muitas questões não científicas envolvidas neste fenômeno, como alguns aspectos culturais – algumas pessoas parecem ter a tendência a querer ouvir que tem um problema que lhes justifique um sofrimento, bem como um remédio que o resolva.
Este assunto tem sido cada vez mais do interesse de entidades científicas e governamentais, gerando campanhas como a Choosing Wisely, que se refere à prudência na escolha de exames e procedimentos.
O prestígio desta iniciativa, que apenas em 2016 lhe trouxe 1.330 citações em artigos científicos e 1,9 milhão de acessos ao seu site, deve-se ao fato de ela incentivar que
médicos e pacientes conversem mais e melhor para tomar as condutas de modo consciente.
Cinco perguntas básicas podem ajudar a nortear esta conversa:

1. Eu realmente preciso deste procedimento?
2. Quais são os riscos dele?
3. Existem alternativas mais simples ou seguras?
4. O que pode ocorrer se eu não fizer nada?
5. Qual é o custo financeiro envolvido?

O próprio Institute of Medicine já traçou o perfil do que é um bom cuidado de saúde, que é quase um código de ética médica universal:

1) Seguro: relaciona-se ao clássico princípio da não maleficência.

2) Efetivo: minimiza o sofrimento, prevenindo doenças e complicações.

3) Eficiente: oferece benefício com o mínimo de desperdício.

4) Centrado no paciente: cuidado coordenado e contínuo com pacientes informados e educados, estando também as suas famílias envolvidas nas decisões; cuidado que alivia a dor e o estresse emocional.

5) “Timely”: no momento oportuno, afastando o prejuízo das demoras inapropriadas.

6) Equitativo: cuidados adequados independentes de condições demográficas ou culturais.

Estas considerações encaixam-se num cenário de gastos e desperdícios crescentes no
ecossistema de saúde, o que leva até mesmo as fontes financiadoras a se debruçarem sobre novos modelos de atenção nos últimos anos.
Estes têm enfatizado a importância de elementos não tão usuais no ambiente médico até então, como o conceito de experiência do usuário e o próprio conceito de valor. Este último tem sido definido por muitos através de uma equação:
Valor = resultado efetivo versus experiência do paciente/custo, onde, dentro de custo, inclui-se também o desperdício e as fraudes.
Por isso, aos financiadores do sistema de saúde, cabe o papel de considerar alternativas de financiamento a médicos e hospitais, levando em conta os resultados clínicos efetivos e a experiência do paciente.


 

 


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